Photo: Du Trópia
Eu era menino quando ouvia histórias do Beco do Satã. Não sei se o do que me recordo é o que ouvia ou o que eu imaginava a partir do que ouvia, ou do que via, mas o fato é que havia um hiato no passadismo de ouro preto, esse que cultua a morte e a pedra, o mofo e a vela. Depois a janela erótica, um rasgo, uma fresta feita de punheta e lirismo, em que silhuetas de homens de cueca e mulheres de calcinha estamparam os casarões históricos. Depois veio o Ratatá, mais uma vez um inferninho homo(esimpatizantes)erótico, uma opção mais junkie (e também, à luz do lirismo dos loucos e bêbedos, mais belo). De novo a apologia às drogas e ao sexo era uma espécie de grito de estátua de pedra, lança de são jorge de aleijadinho manchando de sangue espesso nossa caretice católica, nosso apego à memória de um tempo que foi muito mais trash do que os babados e afins das mulheres de mau hálito do período colonial fazem deduzir. Exagero? Sim. Disse que neste texto se misturariam memória e desejo, imaginação e poesia? E, algum tempo depois, percebi que nestes fatos aqui descritos (e até nos imaginados, e mesmo nos inventados!) havia uma mesma patota, uns 4 ou 7 malucos de carteirinha a que me habituei chamar de 'As Bichas de Ouro Preto', afeitos ao rock e ao choque (não o elétrico, mas erótico), à festa e à fresta (destaca-se aqui que nem todos eram homossexuais, nem todos eram homens, mas que a ação conjunta colocava-os todos num mesmo saco, o radical de sacanagem, o saco do caso de adão. Eram todos viados!). À minha decendência ouro-pretana eles ensinaram que nem tudo era forjado ao fogo da moral, que éramos feitos também de hiatos, que gozar era tão importante quanto orar. Depois li Ginsberg e entendi-lhes a descendência.
Este parágrafo simboliza um salto no tempo, um hiato dentro do texto (estaria claro por si só?). Olho para nosso eventos anuais, para nosso eventos internos, para as vernissages concorridas por bêbados e trêbados, para os eventos do micro-cosmo do micro-cosmo teatral, para os coquetéis da prefeitura, para a rua direita, (ouro preto é uma cidade sem zona, portanto, serei privado desta citação), para o barroco em que é proibido fumar, para os textos do banheiro do satélite e penso: cadê as bichas de ouro preto? E penso: que pasmaceira! Cadê as bichas de ouro preto? Vou pro jazz e danço, nos festivais leio, penso, canto, mas depois penso: o quê eu faço com o meu tesão? Queremos saber se Tiradentes era bem dotado. Queremos imaginar Marília fazendo sexo anal com Tomás naquela banheira da secretaria de cultura. Cadê as bichas de ouro preto? São donos de jornal, papelaria, professores, pensadores, produtores... Cadê Judith Malina? Cadê Judtihs Malinas? Minha mãe se lembra dela tomando banho pelada no tanque do quintal. Nós quase já não temos cinema, não temos boite, não temos puteiro (desculpe me repetir, mas é um fato). Temos um monte de homossexuais, mas é como se não tivéssemos bichas... cadê?