terça-feira, 22 de abril de 2014

OURO PRETO SITIADA - a medalha da inconfidência


Ontem, dia vinte e um de abril de dois mil e catorze, um grupo  de trinta pessoas protestou contra umas das festas mais hipócritas da república brasilis, coisa de parafernália medieval, que tinha o senador Aécio como mestre de cerimônias: ode à memória de tiradentes, o alferes alçado à ícone da liberdade brasileira, que, nas pinturas, ostenta a mesma barba de cristo, nosso tão fadado 21 de abril, assim mesmo, numérico. O que passo a relatar aqui é a minha experiência nesse dia, armado com minha sony, ante um poder desproporcional, mas desproporcional também pela imensa boçalidade, medalha da inconfidência no cu dos outros é refresco.



1. Trezentos compartilhamentos
Esse evento tomou corpo com a divulgação desta uma foto que, fazendo alusão à desastrosa, porém importante, pesquisa do IPEA, denunciava a agressão à praça tombada, obrigada a receber uma imensa estrutura metálica para proteger do tempo os agraciados com a medalha, os convidados, o coral e os simpatizantes, alterando o fluxo de trânsito durante quase quinze dias no principal cruzamento do centro nervoso da cidade. "A praça tiradentes não merece ser estuprada" foi uma foto quase trezentas vezes compartilhada no facebook, quase sempre acompanhada por comentários que escancaravam a indignação de uma população que, uma vez por ano, em nome da liberdade, tem privado seu direito constitucional de ir e vir, sob o peso de centenas de policiais, cavalos, helicópteros. Pois essa foto foi tomada como foto de capa de um evento que se chamou "Luto Pela Liberdade", evento que teve cento e onze pessoas confirmando presença numa proposta de cortejo fúnebre, todos vestidos de preto contrários à ausência de liberdade, à farra com dinheiro público, à politização de uma comemoração popular.


2. O pé rela no pó
Será sempre assim, as pessoas utilizam o 'comparecer' dos eventos do facebook para dar uma força, talvez achem que isso seja participação, e talvez seja. O fato é que, na hora do vamos ver, havia cerca de trinta pessoas empunhando cartazes, gritando palavras de ordem, esticaram até uma imensa carreira de farinha de trigo, fazendo alusão ao helicóptero do pó, no chão da rua direita. Um transeunte declarou "ao passar aqui o pé rela no pó". O fato de um primeiro esvaziamento, naturalmente enfraqueceu o movimento, porque os próprios organizadores esperavam mais, os cento e onze 'comparecerei', afinal, tiveram sim sua parcela de culpa, mas também os quase trezentos compartilhamentos, mas eis que ali se estabelecem os limites do mundo virtual, onde as pessoas são aguerridas, politizadas, engajadas,  mas o virtual não é táctil, portanto, frágil. Ali se escancara que os mecanismos virtuais são um meio e quem tem coragem, extrapola. Um instrumento fundamental, mas limitado. Se escancara, também, que, como sociedade, somos passivos. Será o catolicismo? O governo militar? A grande mídia? Houve um comentário em que uma moradora que reside em frente ao local onde a mobilização estacionou, no meio da rua direita, relatou um medo que os manifestantes fossem agredidos com bombas de efeito moral. Temos uma polícia truculenta, seu histórico recente de contenção de manifestações prova isto. Mas também temos uma polícia que recebe mal, que é explorada por um regime vexatório e este evento provava isto: ao jantar à luz de velas realizado no centro de convenções os policiais não foram convidados, talvez os comandantes agraciados com a medalha da inconfidência. E isto inaugura o próximo tópico deste texto.


3. Polícia para quem precisa
Na barreira de grades de ferro montada para conter os manifestantes, os trinta, havia duas cordas principais de policiais. Na primeira, pm´s de pé, alguns ostentando compridos cassetetes de madeira, coisa mais viril impossível, ali, de pé. Na segunda a tropa de choque, com seus escudos de capitão américa, sob o orgulho do poder excepcionalmente instituído, a privação do direito de ir e vir, capacetes que reluziam fogos da liberdade que vinham da praça sitiada. Passamos pela polícia montada e eu fiquei me perguntando se um cavalo é mais eficiente que uma motocicleta. Se um cavalo é mais barato. Mas continuo achando que a questão é a virilidade. O príncipe pm sobre seu corcel. A gente se sente inferior ante sua presença emblemática, o garantidor do estado de direito, o guardião do jantar à luz de velas do agraciado com a medalha da inconfidência e a gente ali, condenado a assistir à festa pela rede minas, ao vivo. Disseram que na rede minas era possível ouvir ao fundo, como um ruído de canal mal sintonizado, os gritos dos trinta. Gogós saudáveis, estes. Houve um momento em que a manifestação se deslocou para o beco. A partir desse momento três soldados começaram a nos acompanhar. Alguém bradou que, quando fora assaltada há poucos dias, não tinha escolta. Três soldados educados, um deles até falou sobre estar em ouro preto. E tentamos subir a ladeira atrás da escola de farmácia para ter acesso aos fundos do museu da inconfidência. Elegantemente escoltados. Ao chegar na corda de policiais, um outro pm disse: "pode passar". Mas aí viu um black bloc entre nós. Pronto. Pediu pro manifestante tirar a camisa do rosto. Exigiu documentos. Ele mostrou a identidade mas permaneceu de máscara. O pm conferiu a idoneidade do sujeito. O black bloc estava limpo. Mas depois, ó surpresa, não podíamos mais passar por ali. Uma pm recebeu um telefonema e pronto. Voltamos. Escoltados.


4.  A tática black bloc
Pausa pra uma roda de conversa. Alguém trouxe batatas e água. Desceu algum militar superior. Três soldados o escoltaram até a porta do hotel. Uma manifestante a seu lado, dizendo, ao pé de seu ouvido, algumas palavras de ordem. O superior disse, com ar superior: vá estudar. Ela ficou indignada. Voltamos ao lanche. Conversamos sobre os black blocs, alguém questionou a tática de cobrir o rosto. Mas aí lembramos do episódio recente, descrito logo ali, no capítulo três, quando o pm investiu apenas contra o rapaz de rosto coberto. Percebemos, em conjunto, que todos nós, de rosto descoberto, a cara da pátria posta na mesa, éramos amistosos demais. Nós, de cara pintada. Que uma boa cara coberta é um símbolo do poder do povo. Fora proteger os direitos civis do indivíduo, a cara coberta assusta as autoridades. Eles não querem ver os rostos para saber com quem dialogam, eles querem saber a quem processar, privar os direitos. Eu mesmo, até ali, tinha minhas dúvidas sobre a tática. Mas acho mesmo que o confronto é necessário. Foi uma conversa bonita. Não entre trinta, mas entre uns nove. Pouca gente, mas este texto, inclusive, é uma forma de difundi-la, agregar vozes. Comentários e retornos serão bem vindos. A luta continua.


5. Pouca gente?
Em pouco tempo os trinta haviam se dissipado. Uns na direita, outros na coronel alves, perto do teatro municipal. Mas aí nos reorganizamos, porque uma manifestante, que possuía credencial, havia sido barrada, sendo, ela só, impedida por cinco policiais, à beira da truculência. E ali foi o momento mais tenso, uma mulher contra cinco homens armados. Depois, os trinta se encontraram com alguns dos duzentos e quarenta agraciados. As mulheres de salto alto, com a sacolinha da medalha (eu fiquei pensando: quantas peças de teatro custaram essas sacolas, meu deus?), descendo uma leve ladeira, eram saldadas com os gritos "vai cair, vai cair". Percebemos que já não fazíamos mais fita quando diminuiu drasticamente o número de policiais que nos vigiava. Só quatro. Se aproximava o fim da manifestação. E o começo da discussão. Percebemos, ali, que tínhamos sido poucos, mas fortes. E que começava ali a manifestação do ano quem vem. Que seria necessária uma mobilização contínua. Queremos saber quanto custa essa farra. Queremos saber os critérios para concessão da medalhinha. Queremos o direito de ir e vir. Queremos a realização de uma festa simples e popular. Os trinta serão multiplicados. Amanhã vai ser maior.

6. Indivíduos
Durante a filmagem eu me perguntava por quem aquelas trinta pessoas estavam ali. Logo abaixo da manifestação é a famosa lama de ouro preto, dois bares que concentram quase todo fim de semana um grande público nas ladeiras, entre automóveis e motocicletas que vandalizam as vias seculares. Naquela noite havia mais gente ali bebendo do que aqui, gritando. Os trinta até desceram para tentar cooptar mais alguém. Sem sucesso. Voltamos às grades. Mas ali, refletindo com minha sony, eu percebi que eu mesmo não estava ai por causa daqueles outros, nem da população marginalizada, nem mesmo da população excluída da própria casa. Estava ali porque quis. Consciência minha. Encontrei umas senhorinhas com uma camisa rosa que gritavam "Aécio, vim aqui só pra te ver", mas que não viam a cerimônia, porque colocaram um tapume na praça para impedir que a população assistisse à farra. Uma lástima. Depois vi a juventude do psdb desfilando pela praça. Perguntei pra uma senhorinha e para um rapaz como eles chegaram ali. Ele tinha vindo de Valadares, de ônibus. Mas não soube me responder o que o trouxera, ideologia ou cooptação. Ela, a senhora, estava gritando e não conseguiu me ouvir. Refleti que nesses caso, a pior estratégia é a da cooptação. Fui chamado de petista, me mandaram votar na Dilma, embora estivesse de preto, como a maioria dos trinta, salvo duas exceções. Mas estava ali, de consciência limpa, sabendo que ela, minha consciência, era meu parâmetro de tudo e que minha função agora não é cooptar ninguém. É afirmar que me sinto mais forte e que essa força me faz feliz. É muito mais simples. E que a felicidade é revolucionária. E que a felicidade é a única revolução possível. Mudar-se. Mudar o mundo é consequência.



quarta-feira, 2 de abril de 2014

SOLO NOVO - Mais um processo de investigação do Grupo Residência


A partir de hoje o blog RATO DO SUBSOLO ou o ódio impotente passa a acompanhar o novo processo do Grupo Residência, iniciada com o vídeo a seguir, registro de um primeiro dia de investigações cênicas, culminadas com o tema que ali se propõe, mote para o próximo trabalho. Periodicamente serão publicados novos vídeos. Seu retorno será uma delícia.