terça-feira, 29 de setembro de 2009

MONÓLOGO PARA UM RATO

Artur de Leos

De Denise Araújo Pedron, a partir de algo tipo Hakim Bey

Aqueles que fabricam máscaras cegas de idéias e vagam por aí a procura de uma prova para sua própria solidão acabam vendo o mundo através dos olhos de um morto. Mas quem morre?

Aqueles que evitam a brincadeira? Aqueles que hesitam? Aqueles que hesitam? Aqueles que hesitam?

Aqueles que negligenciam a sua humanidade.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

SOBRE OBRAS E PROCESSOS


Photo: Artur de Leos


"Rato do Subsolo ou o ódio impotente" é, surpreendentemente, oito anos após nossa fundação, nossa primeira oportunidade de nos mantermos em temporada, observando as maturações da obra, os apodrecimentos decorrentes desta mesma maturação - algumas cenas muito bem nascidas de repente perdem o sentido - a idéia que uma obra teatral é algo sempre em função de seu público e que como cada dia o público é diferente (um dia vem alguém que ri muito, noutro dia as pessoas estão mais cansadas, ou alunos de filosofia, ou estudantes de teatro) cada dia a peça é diferente, essas coisas. E então, invariavelmente, sob o salto da impotência da direção, de quem olha o evento e só pode olhar, ficamos nos perguntando qual o sentido daquilo ali, daqueles caras vestidos de roupas que não suas, falando palavras escritas, daquelas pessoas que saem de casa e vêm ao teatro ver aqueles primeiros caras. O que oferecemos pras pessoas, afinal? Algumas hipóteses: trabalhar com teatro nos dá um certo privilégio no contexto social, porque podemos entender mais o homem e oferecer substratos deste entedimento, fazendo, invariavelmente, com que o espectador se reconheça, ou se aprofunde em si mesmo? Oferecemos uma espécie de entretenimento conceitual (sic?), um convite ao esforço da fruição da obra de arte, como acontece com os leitores de Kafka, os espectadores de Tarkovski, de Beckett? Se é isto porque gostamos quando o público ri? Fazemos a obra para nós mesmo, para nos aprofundarmos em questões muito pessoais tipo, eu gostei desse livro e acho que vocês podem gostar também? Fazemos arte para que as pessoas gostem? Não gostem? Para transformar as pessoas? Para transformar a nós próprios? Para comer as meninas? Os meninos? Qual nosso sentido? Qual o sentido dos quadrados retângulos e linhas de Mondriam? E da lágrima no olho do peixe de Bashô?
Procurar essas respostas talvez seja dissover todo o sentido de ser artista, encontrando a prepotência da arte burguesa, que lê o artista como um ser superior, iluminado. É por isso que só faço perguntas. Ando convidendo com elas toda noite. Talvez porque tenha lido que a receita federal abriu 420 vagas para auditor, com salário inicial de 13 mil reais. Pode ser que esteja pensando: arte é inútil, mas auditar a receita federal é útil! Ou então, ganhar 13 mil é útil. Em todo caso continuo desenhando outras cenas, outros textos, outras formas que saem de mim mas não são eu, portanto, deixo de ser detentor de todos os seus sentidos. Assim, fico emaranhando nesta teia sem sentido claro, ou complexa demais para os meus cinco sentidos básicos. Mas não deixo de perguntar, cunhar verbetes para o dicionário, juntando sons e formas, brincar. Sei onde deixo de ser claro. E sei que é lá onde fico mais óbvio!

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Espaço para reflexões e críticas. Publique aqui opiniões sobre o espetáculo. Permite-se anonimato!

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

POUR ELISE: A ARTE DE ENXERGAR ABACATES




Fui assistir ao primeiro espetáculo do Grupo Espanca!, de Belo Horizonte, uma das principais montagens mineiras dos últimos tempos, catapulta de Grace Passô a referência da dramaturgia contemporânea brasileira. Em detrimento do meu atraso na história - apesar da história andar a passos largos - teço e compartilho impressões sobre a obra.
1. A poesia como força motriz: Há na construção um embate entre uma força trivial - pessoas comuns, sem nenhum heroísmo aparente, sem nenhuma grande dor exposta, pessoas que tendem a nossas tias, ao professor de física do segundo grau, aos 'invisíveis' - e uma força visceral - a poesia contundente das metáforas e das palavras expostas, da rearticulação das relações corporais, do deslocamento dos sentidos (o cachorro, o abacate, o silêncio). Neste embate a poesia atua como força reveladora, ou como perversão. Assim como o riso na boa comédia, ou a força no teatro físico, ou o risco no circo. É ela que tira o espectador do lugar, que alimenta a trama - tão simples, trivial, do tipo "pode acontecer comigo, apenas não me foi revelado, mas se eu salpicar poesia em minha vida..."
Um parelelo interessante é o terceiro espetáculo do grupo, o "Congresso Internacional do Medo". Lá o trivial dá lugar a uma situação muito específica, distante - mesmo que medo seja comum, participar de um congresso sobre o medo não é. Então a poesia já não revela, não há atrito, ela parece estar aquem de um cenário mais complexo. Em "pour elise" minha tia ganha outra cara, saio e é como se eu fosse uma outra pessoa, procurando abacates alheios.
Ao fim do espetáculo Daniel me disse: "hoje não quero sair." Eu "porquê?" Daniel "cuidado com o que planta no mundo..." A obra nos atravessou, atravessar pessoas está em sua gênese, ela QUER isto. Há um trato deslavado com a emoção, uma coragem. Isto reforça minha opinião que a arte pós-contemporânea é mais careta que a arte contemporânea e que toda desconstrução dos anos 60 e 70, todo o vazio e toda feiúra dos 80, toda cibernetização dos 90, tudo ainda é arte contemporânea. E que a re-significação dos sentidos e a re-valorização da palavra são traços de nosso tempo, contemporâneos, mas não mais arte contemporânea e sim uma reação a ela, a seu vazio conceitual - que quando erigido tinha todo sentido.

2. O uso do espaço cênico - Nunca tinha visto o espaço italiano ser tão bem explorado, a caixa cênica é, literalmente, o cenário do espetáculo, cenário cheio de possibilidades de uso e entendimento. No quadrinho aquele espaço branco entre um quadrinho e outro é chamado sarjeta e ela é fundamental para a história. No espaço branco muita coisa acontece. A coxia de "Pour elise" é uma sarjeta maravilhosa, espaço-temporal, dinâmica. As pausas são respiração. E texto, às vezes mais contundentes que as cenas. Há uma construção temporal delicadíssima. E consistente. A vizinha que conta a história é a dramaturga: ela vê e diz: 'não se envolva.' Ela mente - envolve-se dos pés a cabeça! Mas eu não minto. Não tenho tanto cuidado com o que planto no mundo, mas procuro abacates maduros pra fazer vitamina!