Photo: Artur de Leos
"Rato do Subsolo ou o ódio impotente" é, surpreendentemente, oito anos após nossa fundação, nossa primeira oportunidade de nos mantermos em temporada, observando as maturações da obra, os apodrecimentos decorrentes desta mesma maturação - algumas cenas muito bem nascidas de repente perdem o sentido - a idéia que uma obra teatral é algo sempre em função de seu público e que como cada dia o público é diferente (um dia vem alguém que ri muito, noutro dia as pessoas estão mais cansadas, ou alunos de filosofia, ou estudantes de teatro) cada dia a peça é diferente, essas coisas. E então, invariavelmente, sob o salto da impotência da direção, de quem olha o evento e só pode olhar, ficamos nos perguntando qual o sentido daquilo ali, daqueles caras vestidos de roupas que não suas, falando palavras escritas, daquelas pessoas que saem de casa e vêm ao teatro ver aqueles primeiros caras. O que oferecemos pras pessoas, afinal? Algumas hipóteses: trabalhar com teatro nos dá um certo privilégio no contexto social, porque podemos entender mais o homem e oferecer substratos deste entedimento, fazendo, invariavelmente, com que o espectador se reconheça, ou se aprofunde em si mesmo? Oferecemos uma espécie de entretenimento conceitual (sic?), um convite ao esforço da fruição da obra de arte, como acontece com os leitores de Kafka, os espectadores de Tarkovski, de Beckett? Se é isto porque gostamos quando o público ri? Fazemos a obra para nós mesmo, para nos aprofundarmos em questões muito pessoais tipo, eu gostei desse livro e acho que vocês podem gostar também? Fazemos arte para que as pessoas gostem? Não gostem? Para transformar as pessoas? Para transformar a nós próprios? Para comer as meninas? Os meninos? Qual nosso sentido? Qual o sentido dos quadrados retângulos e linhas de Mondriam? E da lágrima no olho do peixe de Bashô?
Procurar essas respostas talvez seja dissover todo o sentido de ser artista, encontrando a prepotência da arte burguesa, que lê o artista como um ser superior, iluminado. É por isso que só faço perguntas. Ando convidendo com elas toda noite. Talvez porque tenha lido que a receita federal abriu 420 vagas para auditor, com salário inicial de 13 mil reais. Pode ser que esteja pensando: arte é inútil, mas auditar a receita federal é útil! Ou então, ganhar 13 mil é útil. Em todo caso continuo desenhando outras cenas, outros textos, outras formas que saem de mim mas não são eu, portanto, deixo de ser detentor de todos os seus sentidos. Assim, fico emaranhando nesta teia sem sentido claro, ou complexa demais para os meus cinco sentidos básicos. Mas não deixo de perguntar, cunhar verbetes para o dicionário, juntando sons e formas, brincar. Sei onde deixo de ser claro. E sei que é lá onde fico mais óbvio!
Gosto das escolhas de vocês, dessa criação tantas vezes ligada à literatura (e sempre textos escolhidos brilhantemente). Bom, não sei se vocês escolhem os livros, ou se eles os escolhem, mas a ligação é sempre pulsante e verdadeira e quando se encontram sinto que algo realmente acontece e cria alma. Sucesso sempre! Beijos
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