segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O QUE O COQUETEL MOLOTOV TEM QUE O FESTIVAL DE INVERNO NÃO TEM?


Cheguei hoje de Recife. Saindo de lá, sol. Chegando aqui, neblina e chuvinha fina, minha mãe tremendo de frio. Olinda me pareceu uma Ouro Preto com mais liberdade. Recife é da Lama ao Caos, e nada me parece mais preciso pra falar do pouco que conheci na cidade. Pena foi a época de eleição, que decora tudo com o mal gosto habitual da política de poluição sonoro-visual brasileira. No mais, aportamos no Festival No Ar Coquetel Molotov, um ode à diversidade musical, um oásis na pasmaceira que a vida paga-contas-trabalha-estuda-come-dorme-televisão-facebook-futebol-de-domingo proporciona (ainda bem que existe o apartamento azul, meu deus!). Fiquei de cara. O evento terminou com um show clássico do Moraes Moreira, tocando músicas do Acabou Chorare. Coisa de louco. O cara dava os primeiros acordes e a plateia derretia em uníssono. O Sancho chorava. A Nanda chorava. Começou chorare.

Aí, eu trago no título essa proposta, comparar o Coquetel Molotov com o Festival de Inverno de Ouro Preto. As diferenças são óbvias: O Coquetel Molotov é mais concentrado, menos linguagens, menos eventos, etc. O Festival de Inverno é aquele turbilhão de sempre, coisa pra muita gente, muitos gostos, especialidades, etc.

Mas, pra mim, há uma diferença básica. No Coquetel havia um bom humor geral, todo mundo sendo bem tratado. Quando se precisava de algo, as produtoras recebiam com naturalidade, prontas pra resolver as coisas. Agora, vá ter um problema no Festival de Inverno. Espocam desinformação e mal humor. Há umas senhoras grossas na produção, que achincalham seguranças, bolsistas, artistas, sem o menor dedo. Como se fazer produção fosse sinônimo de sisudez. Essas senhoras deveriam ir num fim de semana pra Olinda, comer macaxeira com carne de sol, pra perceber que a vida é boa. Muita cara de cu (desculpem a palavra, mas é como eu disse acima: tem hora que a expressão mais correta não é uma expressão correta) no festival de inverno. No Coquetel Molotov, até quem tava atolado de trabalho, recebia sorrindo. Nem precisava sorrir, não! Só não precisa rosnar. Uma vez, em Ouro Preto, abrimos o show do Cordel do Fogo Encantado. Aí, no final, queríamos ir ver o show dos caras de perto, pra fazer um contato, trocar ideia, etc. Uma senhora nos proibiu! Ficamos confinados no palco menor que tocamos, com um segurança tomando conta da gente! Coisa de louco. Isso foi em 2007. A senhora era loira. Já tive raiva dela. Hoje, tenho mais não. Fico meio assustado quando percebo que o mal humor é cultura. Que tem gente que só se diverte sendo chato. Grosso. Exercendo a pequena autoridade do não. Macaxeira, meu povo!

Eu acho que o Festival de Inverno precisa aprender a alegria.

sábado, 15 de setembro de 2012

MENSALÃO: A FÁBULA DE UM PAÍS HONESTO?




Essa semana começa o julgamento do chamado Núcleo Político do mensalão. Vamos entender como a alta corte brasileira define o esquema de empréstimos que já se comprovaram fraudulentos na esfera política. Essa semana, também, a Veja traz declarações - por terceiros, claro - de Marcos Valério afirmando que Lula era o principal articulador do esquema. Nas redes sociais espocam os gritos de 'queima, queima', numa espécie de caça às bruxas, como se condenar os responsáveis fosse uma espécie de redenção da sociedade brasileira, essa mesma que geralmente não devolve o troco que recebe a mais. Joaquim Barbosa virou o Batman. Marcos Valério, o Coringa (do Batman e do baralho!). Cadê Eduardo Azeredo? O boi bebeu? Ou foi Aécio? O que ainda há de vir desse fuá?

Pra mim, algumas perguntas ficam no ar, considerando que não há uma invenção política no caso, porque eu torcia que houvesse, uma vez que gosto mais do Zé Dirceu que do Roberto Jefferson.

1. Cadê Eduardo Azeredo? Esse esquema, particularmente, foi inventado em Minas, ou seja, é anterior ao esquema nacional. Porque não foi julgado primeiro pelo Supremo? Incompetência jurídica? Lewandowski citou isso essa semana. Mensalão mineiro: mito ou realidade? Caducará?

2. Sem um esquema de arrecadação de grana via caixa dois, O PT teria se tornado essa máquina nacional de votos? Sem um esquema de caixa dois o Governo Lula teria sido viável? Lula teria feito as profundas transformações - culturais, econômicas e sociais - que fez no Brasil? Os fins justificam os meios? Na esfera legal, a pertinência do fim serviria como atenuante de um crime? Eu parto dessa premissa: pra mim, o Governo Lula é um marco. Teria sido sem o mensalão? O esquema pressupõe que o governo sempre compre os votos dos deputados? Pra que serve um deputado? Pra mim é isso: a podridão é do sistema. Mas indivíduos podem ser responsabilizados pelo sistema? É a sistematização das atitudes individuais ou é uma cultura? Um modos operandi que se aprende com o pai do papai?

3. Marcos Valério finalmente vai falar? Delúbio Soares vai falar? O Lula vai falar? Alguém vai matar o Marcos Valério antes que ele fale? Há alguma coincidência no fato de Marcos Valério e PC Farias serem carecas? O Joaquim Barbosa também é.

São muitas perguntas, não é? Mas seriam mais. Muitas mais. Nesse julgamento política e verdade se misturam de uma maneira estranha. Luís Fux disse, dia desses, citando não sei qual acadêmico: "A verdade é uma quimera". Outro dia, numa piada intelectual, Ayres Brito arrematou, citando Shakespeare: "Há muita loucura nesse método". Esse julgamento é um marco, sem dúvida. Mas de quê? Sairemos disso mais honestos? Porque então, após descoberto o esquema, as campanhas políticas continuam milionárias? os esquemas terão sempre que serem descobertos pra que se inventem outros? Puta merda, mais perguntas... Alguma resposta, meu deus?

sexta-feira, 29 de junho de 2012

LULALUF E O CARTAZ NA CAIXA D'ÁGUA: GREVE GERAL!

Hoje passei pelo campus universitário, pra pegar um atalho até a padaria da bauxita, porque queria muito comprar uma broa de fubá. Entrei ali no portão principal, vi que o campus tem muitas faixas que informam que a universidade está em greve. Vi que tinha uma ali na caixa d água e eu achei um lugar muito pertinente. Porque é alto. Aí, logo depois, percebi que o portão de baixo do campus estava fechado. Voltei e dei a volta. E fiquei refletindo sobre a greve (ainda pensando na broa de fubá, todavia). Durante minha vida de graduando, passei por duas greves. Na primeira fui bem participativo. Na segunda, não. Na primeira integrei o movimento estudantil, fui até uma BR depois de Ouro Branco pra interditar a pista, pra chamar atenção da opinião pública. Entre muitos motoristas revoltados, policiais enfáticos e estudantes engajados, conseguimos fechar uma pista a cada cinco minutos. Não me lembro se houve alguma cobertura pela imprensa. Até acho que houve. Lembro-me que, na ocasião, o que mais me deixou encantado foi o fato de ter conhecido diversos alunos de outros cursos, porque não há outro movimento de convívio dentro das universidades que possibilite um exercício da universalidade. Ali houve. E intenso. Pena que a greve demorou muito. Depois, invadimos a reitoria, mas um aluno invadiu a sala do reitor. Ali começou a derrocada daquele movimento. Nos dividimos entre os que queriam sair da reitoria e os que queria sair no tapa com esse aluno. Mas foi intenso. Aí, passou o tempo, as pessoas se dispersaram. Mais tarde, a greve acabou, pagamos dois semestres, mas recebemos três, não sei quais foram as conquistas. Não me lembro. Houve. Algumas. Mas não me lembro quais.



Aí, há duas semanas o Lula apertou a mão e sorriu pro Maluf. Na maior cara de pau, sorrindo fartamente. Fiquei pensando que ali, finalmente, depois de Sarney e Collor, uma utopia nascida com o próprio Lula nas greves sindicais do ABC, morreu. Porcamente. Morreu. E, de lá pra cá, nosso movimento sindical evoluiu pouco. Não surgiram novos instrumentos de reivindicação. A greve envelheceu. Tudo bem, os recentes movimentos de greve de policiais e metroviários a rejuvenesceram, mas não parece uma coisa meio botox? Se havia, como na gente, lá perto de Ouro Branco, o desejo de chamar a opinião pública pra discussão, não há agora uma vitimização dessa mesma opinião pública? Digo isso porque tenho acompanhado as reportagens do jornal nacional sobre a greve nas universidades e sempre aparece um aluno que vai ter sua formatura atrasada, que foi impedido de exercer o direito da educação. Não será possível a criação de outros instrumentos de persuasão? Os cobradores e motoristas deixando as pessoas andarem de graça? Os funcionários da universidades não cobrando pela inscrição no vestibular? Outros instrumentos jurídicos, críticos? Há alguma discussão sobre esses instrumentos? (É uma pergunta mesmo, viu. Estou por fora. Jogo pedra do lado de lá do muro. Mas de vez em quando acerto a pontaria.)

Precisamos renovar os instrumentos de manifestação, trazer a sociedade pra junto. Sei lá, acho que se cada professor tirasse dez minutos de sua aula pra discutir as relações de trabalho, a sociedade civil, o funcionalismo público, a previdência privada, as vantagens e desvantagens de uma copa do mundo, sei lá, a greve como instrumento de pressão, acho que os resultados seriam mais relevantes. É utopia meio babaca, mas será mesmo que utopia e babaquice são coisas meio sinônimas? Será que reivindicação e greve também?


terça-feira, 27 de março de 2012

DE CHICO SCIENCE A LAVRAS NOVAS: OURO PRETO É PEDRA E PALAVRA



Modernizar o passado é uma evolução musical. Quando Chico Science surgiu, abriu caminho para uma pá de propostas musicais que especulavam a conversão da própria aldeia num universo expandido. O cara conseguiu, falando do mangue, redesenhar o Brasil. Isso não é novo. Algumas parábolas chinesas, dessas de mil anos, já especulavam isso. E também o Gandhi, que dizem, não era nenhuma Tereza de Calcutá. Dito isso, voltemos para nossa taba, ou alguém duvida que temos um quelóide oriundo de uma flechada na coxa? Essa taba em foco, no entanto, foi coberta pela engenharia portuguesa de construção e pelo oportunismo europeu em tempos de expansão colonial. Chegaram num lugar com uma geografia irregular, um buraco cercado de montanhas por todos os lados e deveriam ter dito, como seria de se esperar: que buraco, não será possível construir um cidade aqui nunca. Mas o ouro era tanto e de tão boa qualidade que disseram: dane-se! Vamos construir uma cidade aqui mesmo. E construíram uma espécie de serra pelada, mas com vestido de anquinhas. Vila Rica, uma das mais populosas cidades daquele tempo, com um enorme contingente de escravos. Conta-se que havia gente aqui que tinha ouro, mas não tinha comida. Samba do crioulo doido, casa da mãe Joana, imagine-se a cena: mais de cem mil pessoas espremidas num lugar que hoje, expandido pela ocupação desordenada das décadas, cabem setenta mil (contando os distritos e quem sabe como é longe ir de bicicleta do Salto a Miguel Burnier entende do que estou falando). E o tempo transformou a barbárie em jóia de nossa arquitetura colonial. Elegeram um dentista pra cristo (quase literalmente). Dizem que ele lutou pela liberdade. Ante a forca, eu imagino um trombadinha de hoje que, voltando numa máquina do tempo a aquele período, dissesse para o alferes,: ‘perdeu, playboy’! O alferes foi enforcado, alguns de seus amigos foram deportados. Também não sei se é correto chamarem de liberdade o que eles queriam. Pra mim é mais uma espécie de convenção do PMDB. Mas o fato é que o tempo, quase sempre ele, colou a esse movimento a luta pela liberdade de um povo. Benzeram a pedra sabão, (permitam-me um parêntesis, será o único: hoje, mijam. Fecha parêntesis.) Ouro Preto virou uma Meca tupiniquim, dizem que quem não vem aqui pelo menos uma vez na vida, não pode ser chamado de brasileiro. E as pessoas vem. Quer uma oportunidade melhor pra usar a máquina digital comprada em doze vezes? Excursão escolar, viagem de fim de semana, ir a BH e aproveitar pra dar uma passadinha em Ouro Preto... O maior barato da cidade é a foto. E é mesmo. Mais o quê, afinal? Eis uma pergunta. As pessoas vem, buscando ecos forjados de liberdade fictícia e fazem o quê? Sobem ladeira, descem ladeira, foto. Esse lastro pesado da cidade a seu passado ficcional, porque o passado factual é torpe e denso, cru, será uma enorme âncora que não lhe permite navegar por outros mares? Seremos lúcidos o suficiente pra entender que isso é uma invenção? Não, apesar do que parece, não estou fazendo aqui um ataque à hipocrisia da história. Até porque a história não é hipócrita. Esse texto, pelo contrário, é uma apologia à adaptabilidade humana. Tem homem no Himalaia, no deserto do Saara, no raio que os parta. Se, portanto, a gente consegue, como sociedade, inventar verdades e passar a viver e conviver com elas, isto significa que não estamos presos às tradições, aos costumes, aos hábitos, como devires inexoráveis. Não existe devir inexorável. Não existe um passado que nos condicione o futuro. Não existe passado e nem futuro. Existe uma construção constante e vibrátil. Vamos atualizar Ouro Preto, meu povo! Começar a viver uma cidade no aqui e agora. Quem venha o mundo. Mas quando vier, que extrapolemos a photo. Ouro Preto deveria ter uma fundação internacional de cultura negra, fazendo a ponte, transmutada, revista, infinitamente melhorada, entre o Brasil e a África. Esse seria uma nova e fascinante diáspora. Refletir a arte negra de ontem, incorporando o rap, o samba. Confirmar que história permanece. Que somos história. Permanecemos história. E o louco é perceber que a cidade está instrumentalizada: temos uma universidade federal pública, uma fundação de arte estadual, um museu da inconfidência, repasses de verba exclusivamente cultural, um festival de inverno. Mais do que isso, temos o festival de inverno. Aí acontece a aberração: você vai a uma instituição e ela te diz: não, aqui a gente não faz teatro, porque quem faz teatro aqui é a outra. Na outra, o mesmo, só que ao contrário. Fica essa sensação que nada acontece. Um monte de gente trabalhando, alguns projetos acontecendo, e nada acontece. Vem o japonês e... photo! Temos pouquíssimos artistas de expressão nacional. Alguns pintores e só. Claro, temos o Jorge dos Anjos. Mas ele é um cara que atualizou Ouro Preto. Mais do que isso: ultrapassou Ouro Preto, ética e esteticamente. Retomou a diáspora negra. Imprimiu-se na tela. Modernizou o passado! Sem um pé calcado no presente, Ouro Preto é pedra. E só. Não estou propondo colocar asfalto na rua direita. Muito pelo contrário. Estou propondo fazer um duelo de Mc´s, com um na sacada do museu da inconfidência e o outro na sacada da Casa dos Contos, com transmissão on line de um pra outro. Estou propondo fazermos um festival de teatro de países de língua portuguesa. Um encontro de poesia visual projetada nas casas da Vila Aparecida, salto de paraglider do morro Santana, vôlei de praia em Lavras Novas. Mais produção, mais dinheiro, mais arte. Porque só assim, viva, a cidade valoriza mesmo seu passado. Se o passado é aqui, ele interessa. Se é lá, incomoda, atravanca, atrapalha. Não é fácil. Eu mesmo tento, mal e porcamente. Mas não é fácil. Quem disse que seria?